quinta-feira, 25 de novembro de 2010

bomboniere


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As crianças chacoalham os dedos grudados na salada de planta carnívora, adubando a samambaia pendurado bem acima da tv tela plana estatelada na parede, mas as plantinhas carnívoras não são lá muito vegans e detestam samambaias, seus dentes não grudam e caem esturricadas no chão, comendo ácaros.
As crianças não estão nem aí para esse tipo de refeição.
As crianças esperam as pipocas invisíveis que estouram em qualquer canto assustando o avô.
É de repente e pum pum paf pum.
As crianças estão lambendo um pirulito que mais parece o super-homem girando o planeta ao contrário.
As crianças ligam para o delivery e pedem que Ele entregue os dadinhos do universo, meia hora para a entrega ou ninguém paga nada.
Aqui as crianças é que mandam, e só dá doce.
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domingo, 14 de novembro de 2010

Destino

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duas penélopes sem vida bordam tecidos pretos como carvão.
no portal sem escolhas todos chegam e seus olhares baixos de vigias
cansadas despencam bolas de gude que se espatifam no chão.
ninguém está interessado. os céus se foram e só há um limite para tanta exaustão.
em ilhas distantes o momento de enrolar linhas nos dedos
é anunciado por disparos de canhão.
a confecção intermitente das mortalhas começou sem
questionamento, lantejoulas ou indecisão.
de que adiantou tantos cantos se o caminho traçado era incerto
como a espera por uma previsão :
de uma moça amaldiçoada e duas outras que esperam com agulhas nas mãos ?
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Leitura


Você que é feita de espumas, gatos e soda-limão,
onde espreita seu sono, em ondas de imaginação ?
O que cresce na sua janela, gigantes com pés de feijão ?
Você que é de sonhos, goiaba ou balão,
já olhou nos olhos do livro e sentiu solidão ?

terça-feira, 26 de outubro de 2010

mexi nas suas coisas

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Eu mexi nas suas coisas. Dentro da gaveta,
uma xícara de café fumegando dentes amarelados.
Eu mexi nas suas coisas. Dentro dos seus dentes,
mordidas em estranhas de cabelos alisados.
Eu mexi nas suas coisas. Dentro de suas mordidas,
marcas no passado.
Eu mexi nas suas coisas. Dentro de suas marcas,
meu coração dilacerado.
Eu mexi nas suas coisas. Dentro do meu coração,
cem mil erros, ao seu lado.
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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

911 Donuts

Cinco crianças ficam ali paradas por cinco minutos. As mãos espalmadas na vitrine. Uma montanha desajeitada de Donuts de todas as cores, todos os sabores, todas as coberturas e todos os cheiros caem sobre nossos olhos. Mais adiante, cinco viaturas policiais distribuem sirenes e luzes girantes. De repente tudo pára. E ninguém sabe quem procurava as digitais de quem. Policias contra ladrões que assaltam confeitarias ou a moça da limpeza armada de paninhos limpantes contra dedos de crianças açucaradas. Pois crianças e policiais, e até ladrões, comem doces.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

com amor,

para Marcelo Cavadinha


Daqui a pouco chega o Marcelo
eu escondi para ele
o lado onde meu coração é mais sincero
num pacote de caramelo.

também vou escrever para ele

na parede de milhões de castelos
que só meninos tão singelos
podem se chamar Marcelo

mas que só para este Marcelo
posso escrever "amor"
nesses milhões de castelos

Porque para um príncipe é assim. e fim.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

The End

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coloque seus olhos neste vazio.
globo ocular em escarlate.
duelo. desafio. corações que só preenchem caixas de chocolate.
congelados e bem embalados.
caramelos estragados.
jantares desabrigados.
um corpo num filme de Hitchcock.
caído para o outro lado.
dois outros em constante choque.
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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Deixe seu recado

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Vou desligar meu celular
e você vai cair para sempre na caixa-postal
Após o sinal, se você esperar,
meu silêncio será colossal.
Vou também fazer uma resposta automática para meu e-mail
E lá estará escrito, em caps lock gigante : " Você é seu maior devaneio"
Vou também contratar uma pessoa para ser o meu espelho.
Ela vai sair na rua para mim, comprar o sal, comprar um rim,
ler a primeira página do jornal
e dar bom dia
E eu vou estar embaixo da cama
lendo poesia
soterrada
chorada
na lama
escrevendo no chão :
" No meu peito não tenho mais nada,
nem coração...
Sua ladra!"
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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

" Carta de amor enviada em um canhão" *

Eu botei uma praga em você
Fiz magia
Fui na bruxa
Fiz caveira
Simpatia
Deixei despacho na rua
Que é pra você se arrebentar toda
Espero que você exploda
Que seu corpo inche
Risque estrias
Seu cabelo queime
Seus olhos sequem
E seu umbigo desmanche
Quero ver você sofrendo
Chorando uma tempestade
Parindo um elefante
Vomitando um edifício
Encharcando a enfermaria
Quero que seu coração imploda
Eu quero que você vire uma hemorragia
Que não saiba se encontrar
Que beba o veneno
Encontre a bomba
Suma, desapareça
Teu nome está no buraco do mundo
Tua foto queimei no sapo
Teus presentes enterrei no saco
Eu quero que você se apague
Se enforque nos lençóis
Que o mal te esfrie
Que assaltem teu ouro
Que tua casa pegue fogo
Teus parentes mortos
Teus amigos te traiam
E um negão desmarcado trepe contigo
E você não possa mais andar
Que perca dinheiro
Que não consiga mais emprego
Que as pessoas te xinguem ao passar
Que o piano caia na sua cabeça
Pise na merda
Escorregue na banana
Perca o sono
Seja rejeitada, cuspida, escarrada
Que lhe falte abraços
Que lhe falte beijos
Que conheça o nada
Eu botei uma praga em você
Que é pra depois, assim...
Você volte em passos lentos pelo jardim
Suplicando pra voltar pra mim
Não há nada
Como amar
Uma mulher
Toda arrebentada.
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* Esse poema de admirável poder de fogo é de um menino
de olhos azuis e sincero talento. Também queria escrever assim.
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O Gabriel Pardal está aqui
: http://www.nomedacousa.com
e aqui neste poema acima
http://www.youtube.com/watch?v=ACgzqtvYwTg&feature=related

domingo, 26 de setembro de 2010

Rumo

Soa delicado o som de seus pés em corredores infinitos. Esse vazio agora é só mais alguns obstáculos dessas intransponíveis solidões. Parece difícil ? Não é. Acostuma, como cortes em árvores para marcar de onde veio. Na volta você reconhece e ali está, pertecendo a ela, ao seu caminho, aos retornos ou pelo menos a possibilidade que teria existido de retorno. Nem que ele não venha. Nem que ele não deva vir. Pertence ao desejo, ao amor que você ainda esconde, negando-o. Para o bem ou para mal. Escondendo frêmitos, choros e ilusões. Como expor fragilidades fosse derrota. Não é. É só medo. E coragem. E intensidade. De aventuras em florestas com árvores que precisam ser marcadas. Ou você não vai reconhecer, nem a você mesmo, nem os seus sentimentos... sejam eles quais forem.
Nem o som de seus pés em corredores infinitos. Indo. Vindo.

sábado, 25 de setembro de 2010

recusa

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está terminado o que ainda iria começar
pois nem o céu vai te abrigar
um nó na garganta
para esse gesto que esquece
porque nesse lugar em que estas
só o inferno te aquece
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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Mesa de Jantar

Na mesa, de toalhas com frutas bordadas à mão, Mrs. George acende um cigarro e traga atrás de uma gargalhada esfuziante. Com a mão esquerda, ela estica o guardanapo vermelho com desleixo em direção ao batom de Miss Glory. O rapaz de nome Apple carrega nos braços mordidas ensanguentadas. Copos de vinhos intermináveis adornam em manchas secas e um prato com espinhas de peixe fumegantes desce pela garganta de Mr. Pearl. Uma pulseira de pedras azuis se esfarela no chão, baixando cores em piso de carbono 14, anunciando velhos motivos de rancor. Mrs. George mostra seu cartão de visita com endereço e precisão, em papel de árvores raras, cortadas a esmo para a outra moça, agora sem batom. Um brinde abaixa as armas. E nas camas enquarteladas uma paixão sublimará decadência e olhares dourados de solidão.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

amoreiras sobre o mar

Deitamos embaixo da árvore e o céu parecia salpicado de uma chuva que caiu ao contrário, sobre um chão verde e azul, colorindo tudo de gotículas vermelhas. Esse pensamento me fez rir. Seth me olhou de canto e se aproveitou do meu bom-humor. Lá vem ele com suas artimanhas...
- Lá do lado Leste, lá onde o sol está nascendo, as amoras são doces e gordas como bolas de sorvete.
- Por que, por acaso do outro lado não são ?
- Nada disso, dê a volta na árvore e deste lado você olha para elas e sente a boca se enchendo de uma saliva agoniada, a boca está se prevenindo contra um azedume só.
- Hm. E em cima ?
- Por volta das onze e meia da manhã, neste lugar, nuvens carrancudas de tanto cinza costumam aparecer todos os dias e ficar por aí, até o fim do dia. Então, indignadas, lá em cima, as amoras tem essa acidez só digna daqueles que perderam a oportunidade de ser iguais aos bem sucedidos, suculentos e gostosos como bolas de sorvete. Por questão de uma hora, duas, elas ficaram um tanto amargas.
Estou rindo.
- E tem mais!
- Mais o quê?
- Aqui embaixo, onde as mãos alcançam, as amoras se encolhem assustadas, contra a vontade das mãos de meninas e meninos.
Eu estico o braço, obviamente sem alcançar.
- Não, não. Aqui não podemos alcançar.
- Não vamos comer ?
- Não. Vamos correr até o mar. Onde milhões de pés estão plantados sobre as águas, com amoras felizes e gordas como bolas de sorvete.
- E quem vai nadando até elas ?
- Eu vou caminhando.
- ?
- Hum-rum.
Seth tem dessas. Não tenho idéia do que ele anda lendo, mas anda ficando ainda mais doce, como bolas de sorvete.
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O Senhor respondeu: “Se tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria. " ( Lucas, 17:6)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

nas soleiras das portas

Peachies esfregou as pontas do sapato na poeira da soleira da porta, um pensamento norteava em volta. No meio da sala, suas coisas pairavam absortas. Ela estava achando aquilo tão esquisito, suas coisas. A soleira da porta nunca notada. Peachies estava mudando. Incontrolável. Tinha esquecido tudo, a vontade de cigarro, os nervos frágeis, o falso amor. Estava tudo encaixotado. E Peachies parada na porta assustada sabendo para onde ir.
Mas aí teve o átimo de traição. E o prego fincando na parede, grudando erros. E o maldito filme francês. E os gansters. Bandidos. Mafiosos. E botas de cowboy. E chocolates no elevador. E as músicas. Fivelas, grampos esquecidos. E a única frase que entendia ela por inteiro, aquela que nem você sabe que fez.
Peachies bateu o sapato no chão, tirou a chave da mochila e trancou a porta. Seu pensamento iria traí-la por toda a vida, mas ela não estava mais interessada.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

a garota dos olhos de meteorito

Parece que o mundo está passando em slow.
Alguns dizem que é amor, outros que é só o que eu sou.
Seus olhos piscam lá no infinito
e meu limite apressa
na incandescência de dois meteoritos.
meu desejo desespera na sua distância
trazendo vento, pérolas e ânsia.

domingo, 12 de setembro de 2010

nos dias em que a chuva chega

Nem um pedaço de céu azul. As nuvens cinzas se espalhavam uniformes até o horizonte. No gramado, o gato branco sentia as gotículas finas como poeira se colocarem a esmo sobre seu pêlo aveludado. E devagar, ritmado como só um gato é capaz, entorpecido pela sensação, ele se esgueira para baixo de tábuas encostadas no beiral da casa.
No vidro da janela, gotas maiores começam a deslizar, limpando a sujeira em riscos verticais. No sofá, uma criança começa a bocejar. De repente parece que a chuva pára. A criança rola para o lado, abre o olho, insone.
Do outro lado de um outro lugar, um pretume assume o firmamento que cobre um parque. O sol correu como uma bola de futebol e nada mais se viu que remetesse a ele. Nuvens grossas e negras se prostraram definitivas. Os visitantes, os mais temerosos, correram se abrigar antes que tudo acontecesse, enquanto os mais aventureiros se aninhavam feito pássaros na hora de dormir, em ninhos improvisados por ali mesmo. Essa chuva que estava vindo era das feias. Ela veio e desaguou formando pequenos riachos e correntezas provisórios. Nos carros ao redor do parque, crianças e adultos experimentavam o torpor. Na grama dormiam os pássaros desajustados.
Em um outro extremo de outro espaço, atletas esguios foram surpreendidos durante uma longa maratona pelo erro da meteorologia, que teria dito que a tempestade só viria depois da corrida terminada, agora estão lá estatelados sobre o asfalto em profunda modorra.
Aliás, nesses tempos, a meteorologia detém importância única. Aqueles que não querem ser apanhados sem guarda-chuvas e capas impermeáveis no meio da rua, devem estar atentos e inexoravelmente informados. Ou o sono vai chegar.
Ninguém sabe ao certo quando tudo começou. Foi tarde o momento em que todos se deram conta. Tempestades de sono caiam sobre a Terra.
Como de costume só com o sol se consegue levantar, mas não é mais como de costume só dormir quando a noite chega.
Tudo mudou e os raios mais fortes avisam pesadelos sendo constituídos. Nenhuma alma está segura da letargia quando a chuva começa a tilintar no telhado. O que antes parecia água, agora são devaneios do profundo sonho humano.

sábado, 4 de setembro de 2010

A Evolução das Espécies

Seth passou a mão nas linhas dos textos, lendo com os dedos sujos de açúcar. Um pacote de jujubas vermelhas, laranjas e amarelas se destacavam em cima da pilha de livros azuis, de capa dura, difíceis como um caminho de mata fechada, ceifada com vontade e sem preguiça.
- Eu estou lendo todos eles!
Eu já sabia que ele nunca desistiria. Os dicionários com mapas de linhas coloridas à mão, rios que atravessam e desembocam em surpresas. Seth sorria cada vez que encontrava uma resposta. E devorava jujubas feliz da vida.
Peguei o penúltimo livro de letras douradas e li : " A expressão da Emoção em Homens e Animais."
Seth estava todo concentrado na nossa biblioteca.
E eu sentia uma espécie de amor infinito como o símbolo matemático, tatuado para sempre.
O que nem Charles sabia é que estava diante de mim o menino mais evoluído nessa história toda de simpatia, mascando doces para sempre com a beleza terna dos leitores ávidos.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

a distribuição.

Casas com bordas de plásticos resistentes, anti-choque, anti-gente, anti-gatos, e varandas com grades brilhantes, suspendem no ar. O oxigênio espesso invade os tapetes de milímetros a mais e alguns pulmões resistentes, anti-sujeira, anti-gatos, anti- inferioridade, adornam pés descansados, afoitos por maciez sem importância, visíveis só lá de dentro. Embaixo das varandas suspensas, tapadas por flores holográficas de beleza só visível por aqueles que se escondem por trás, uma multidão olha para cima. É hora do almoço. Gatos famintos miam e se arranham entre o empurra-empurra nos seus melhores dias. A multidão aprendeu a ficar em silêncio, o som é do atrito de roupas, de solados gastos, se arrastando há anos. Mr. Doctor, Mrs. Doctor e Little Child esperam o momento mais divertido do dia – a distribuição. Uma fileira de casas se estende por quilômetros a perder de vista, todas emergem ao céu, colorindo a visão para cima, preta como carvão. São pontos de imensidão dourada, mas é melhor nem pensar sobre isso. Não há beleza quando se olha de baixo. A multidão se alvoroça sigilosa, enquanto em alguns minutos, os moradores das nuvens suspensas devem terminar as refeições e aparecer como anjos de asas carregadas e murchas. Na hora que eles quiserem, a obrigação por lei, entre meio-dia e duas da tarde, é que qualquer sobra deve ser dada a multidão. È obrigado sobrar, mas não tem importância nenhuma a quantia. É obrigado ao membro da casa suspensa ser ele mesmo o prestador do serviço, questão de bondade. E também de prazer, mas é melhor nem pensar sobre isso. Os animais do chão, humanos ou não, apreenderam o momento e a chuva de restos vai começar.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

a boca fechada e seus olhos castanhos

eu quero seus braços, seus filmes, suas luvas
o rosto vermelho cravando suas unhas
a supernova explodindo os mesmos riscos
um universo dormindo e um quarto de risos

eu quero seus lábios, seu livro, sua faca
os dedos cortados exalando ressaca
a lava subindo queimando suas mãos
certezas surgindo em becos e vãos

eu quero suas mentiras, seu perfume, seu salto
a boca fechada escondendo sobressaltos
eu desisto sem medo dos outros estranhos
colorindo com sangue seus olhos castanhos

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ponte Aérea

Para Thiago Pethit




Versos modelam mapas em fôrmas de nuvens sobre São Paulo, evaporando pensamentos que dão a volta ao mundo em dez partes, gentis como cores desconhecidas. Buenos Aires é uma nobreza pelos cantos em cafés que escondem cubos de açúcar instigando distrações. Liquices e chocolates quentes agora vão desmoronar qualquer esquecimento. Três bebidas atrás o escritor se redime com mais uma idéia rimada em quatro estrofes geniais. Uma vespa amarela passa com um rapaz de ipod brilhante mascando mm’s, explodindo olhares em atenção. A canção tristonha o faz chorar. Dói porque é bela e lembra qualquer coisa que faz amar.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Ludo

Ludo rasgou o pacote de figurinhas que vem dentro das panquecas do Shiva's.
Uma luz neon fez seus olhos brilharem e ele observou cada uma delas com a atenção devida só dada aos gurus.
Ludo meditava. Seu sonho era morar no topo da montanha azul de neve alaranjada que ele enxergava da janela. E comer só panquecas.
Ele se imaginava em constante levitação, constante sombra de Lótus.
Panquecas de queijo soltavam cheiro pelas mesas lotadas. Ludo meditava. Chefs vestidos com túnicas brancas arremessavam e elas giravam feito bússolas em direção ao monte.
Ludo queria passar a vida comendo panquecas.
até completar o seu álbum.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

no céu da minha boca uma língua em espasmos peçonhentos

desenrolo caramelos e anuncio novidades ao céu da minha boca.
já tão acostumado a sua língua venenosa...
... secou de saliva esperando amor ou qualquer outro tóxico que vier.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

a casca do caracol

Ela cravou seus olhos nele. Aquele olhar de pedras escondidas em sarcófagos desconhecidos. Um olhar de milhões de anos. Logo, ele não sabia nada do que significava tudo isso. Nem o esgar. Nem o desconforto. Nem o silêncio do gesto. De todas as expressões que sucedem o fim, a calma se torna a mais fatídica de todas. E não há choro, não há gritos, não há nenhum rumo a seguir. O que ele sabia, no entanto, era que tudo fenecia. E sua vontade de algumas semanas atrás de cavar fundo no interior dela para chegar em alguma verdade, se esvaiu feito uma casca de caracol sendo esmagada por pés bem firmes. Ela tinha se abrigado em lugares inalcançáveis, onde nenhum homem seria capaz de chegar. Um lugar onde o alívio não está. A beleza não chega. E, ora, nenhum coração pode superar tamanha solidão.
Foi então quando ele entendeu.
E ela seguiu feito uma lesma com aquele rastro prateado e viscoso, mas decidido. Não se sabe quando ela chegará ao fundo do labirinto, mas isso não interessa mais a ele. Talvez, daqui outros milhões de anos, um arqueólogo cansado tirará a pedra certa e os olhos ofuscados dela descubram uma luz que alguém poderá titular como o novo sentimento humano.
Outra hora chamado erroneamente de amor.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

três celestes venenos.

Três meninos divertidos esbarram as asas nas portas giratórias. Se eu continuar olhando dia desses eu saco essa viagem pelo coração de líquidos venenosos que chamam de amor. Uma fumaça azulada sai pelo nariz do homem sentado ao meu lado, ele me olha com olhos de morte e eu viro a cara bem decidida. O saguão está cheio, todos sentados em bancos de madeira envernizados por pensamentos perturbados, mas eu não estou lá muito preocupada. Mantenho um sorriso de lado nos meus lábios de gloss caramelizado.
Mas o grande momento do dia é quando meu olho se abre intenso, porque agora os meninos divertidos saem voando. Seria o tal veneno ?

terça-feira, 20 de julho de 2010

Playground

A joaninha atravessou o seu braço e ele observou seu movimento de cócegas com um olhar esquisito de atenção.
Foi quando ela chegou no seu dedo indicador que ele esticou para a frente do meu nariz, girou e a esmagou com o dedão apertado contra o outro. Creque. E sorriu.
Eu não lembro bem porque não se pode lembrar de quase nada com a anestesia percorrendo as veias e os meus olhos estavam mergulhados em água como se eu tivesse dentro de uma piscina. Só que eu lembro do insetinho doendo diante do meu nariz. E do biscoito recheado com uma mordida de monstro derretendo nas minhas mãos trêmulas.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Homem

Acuada e nervosa como uma gata presa espero às seis, às sete, às oito e, finalmente, às nove. Bem no horário que você me disse que chegaria - chegou. As outras batidas do relógio de parede eram só esperanças rançosas de que o mundo estaria armando para me surpreender.
Chegou assim, com aquela barba por fazer, despontada, hirsuta. Caminhava com aquele ar de gangster encrassado na descendência italiana, mas os seus olhos juvenis denunciavam a delicadeza com que eu seria tratada. Ou pelo menos acreditava que era tratada. Não tenho dúvidas. Ele abriu a porta e eu apontei o beiral da janela coberto de besouros pretos - aquelas asas crocantes e o zumbido ensurdecedor colidindo contra as janelas que transformam minha noite num espetáculo de terror. Ele vai agir e se esgueira por trás da cortina de um tecido fino e inútil que só servia para tapar o sol com a peneira e colhe os besouros para me acalmar. No seu pensamento sequer passava a idéia de me magoar com análises sobre meus dramas diários e transformá-los em pequenos chiliques incompreensíveis. Ele simplesmente compreende. E sentada no sofá eu estava quase satisfeita.
Eu não vou dizer nada e de dentro do seu bolso carcomido ele vai retirar alguma coisa para me agradar e eu nem lembro de perguntar que cheiro é aquele na sua roupa. Dessa vez um colar de aspecto barato e um pingente de bacalite escrito “Diamond” me enrubesce e, indecisa, já sei que é a hora de tirar a roupa.
O ar está espesso como xarope de groselha e meu movimento lento chega no seu rosto. Tenho medo desse mundo áspero, mas vou colher seu desejo com minha boca gemendo sobre seu peito. Como você faria se eu pedisse...
... mas nem precisa.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Insônia ( mais algumas palavras abatidas sobre você)

tudo o que sei é que não houve quase nada
e onde calou afeto tatuou estigmata

estrago os dentes com café e tristeza
mastigando cacos em noites sem surpresa

tentando lembrar quais foram os primeiros planos
e onde foi que tudo tornou-se engano

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Faroeste

gatos vão enroscar nas suas pernas armadas
mas os seus dois dedos já estão engatilhados
seis balas jorram riachos de desilusão
e uma câmera John Ford assiste
a morte rápida
feita um falcão abatido no ar
Esvai em sangue o amor sugado pela poeira

a terra avermelhada de sede não expira mais.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

ato

.uma chávena de líquidos esbranquiçados como açúcares neon.
.o jorro incandescente ativando um átimo de sensação big-bang que corre.
.são erros acertando um em não-sei-quantos milhões.
.buraco negro sugando a sua volta o teto de estrelas em fino desdém.
.mas lástimo só o momento esgar de expansão.
.nunca soube onde vai chegar mais fundo.
.pois a lembrança se espatifou.
.só sobrou um laço azul, um lenço vermelho e a podridão.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Espera

.Abelhas que produzem ao gosto do freguês. Você arde ao mascar favas de mel azedo.
.Gêmeos plantam suas fotos em campos de Jazz.
.Você está surda com as ondas sonoras arrebentando no seu ouvido.
.Um barulho de botas de cowboy na calçada. Você tropeça nas próprias palavras.
.Um tremor no seu coração pelos cantos.
.Ela chega e joga cinzas de orações na sua cara.

terça-feira, 25 de maio de 2010

com os gatos

Você pressiona os olhos, um castanho e o outro áspero. Ouvi seu esgar de voz rouca e ninguém assinalou nenhum som que mudasse a rota do planeta, feito uma mente genial em posição de ataque, conduzindo teorias, filmes e poemas extraordinários. Peça, sim, licença pelas artimanhas, pois perdões não aumentam o sentimento mais perdido e incauto.
A sua sinceridade fosca flecha gatos no coração, enquanto eles andam com elegância e peito aberto, procurando amor e espinhas de peixe em latas de lixo adornadas de diamantes falsos. Não se engane, ninguém cogita tamanha busca por becos escuros e vielas.

Seja ainda assim, cruel. Porque não aconselho ninguém a se desfazer de tudo o que ainda lhe sobra.

terça-feira, 18 de maio de 2010

bolinhas de gude dentro dos livros.

Levei duas horas para entender. Ele ficou falando nuns lances de bolinhas de gude caindo pelas escadas dos colégio, enquanto eu mantinha um sorriso no canto dos lábios porque aquilo foi ficando bem engraçado. Cada pessoa que descia a escada ele descrevia o tipo do tombo. Um coitado que descia com um Big de um sanduíche nas mãos teve seus olhos adornados por óculos de cebola. E aquela conversa de louco no intervalo me deixou com hematomas de tanto rir. Não é legal ? Quando você fala "hematoma" pensa em algo ruim, mas quando você fala " hematomas de tanto rir" você transforma a palavra. Os quinze minutos com Seth eram isso : transformação.
Um tanto de waffles de chocolate e ataques de risos.
Perguntei para o Seth se a gente não perdia muito tempo só na bobagem e ele me disse que eram só "momentos chantilly".
Duas horas depois a gente tava na biblioteca e os livros eram todos lindos.

sábado, 15 de maio de 2010

Caminho

Observando ao seu lado a sombra que se faz, declaro assim, aberta minha sinceridade sem piedade. O fogo não aquece nem o que alimentará, nem seus vãos, muito menos suas mãos de veias roxas e saltadas. Somos assim, filhos do Homem, ao qual tudo retornará. Esperamos assim sentados, com marcas negras cravadas na pedra por anos que logo passarão e no dia que você tiver a oportunidade, diga a Ele :
" Eu trouxe tudo o que Você me deu. Um tanto de dúvida. E mesmo agora, não sei onde estou. "

terça-feira, 4 de maio de 2010

Céu

J. estampa um 10 atrás da camisa, do qual sente um certo apreço que ainda não sabe o que quer dizer. Essas humildades que so concernem aos canhotas de passes longos e certeiros. Doze meninos vestindo uniformes brancos e marcados de lutas anteriores. Um será reserva, mas acalentado pelos mistérios do capitão meia-armador de passes longos e certeiros. Sentado no banquinho, fora do aquecimento, o reserva J2 guarda no peito a chuteira sem esperanças e um olhar de rancor, mas J. sorri e acena do campo. J2 retribui. O que nos leva a crer em certa unidade.
O time adversário, com asas negras desenhadas nas costas, tem o temido atacante D. Imarcável, porém apenas quase absoluto. Antes de entrar em campo, J. chama P. e cobra dele um pouco mais de coragem, mesmo sabendo que ele poderá a qualquer momento titubear e desperdiçar seus passes.
No campo de terra batida adornado por um belíssimo rio de águas no qual as bolas sempre vão parar, batizando os uniformes com a água das chuvas, a tal decisão poderá começar.
J. ganhou o cara e coroa e irá sair com a bola. Um olhar cínico penetra no campo e vem de D. que quer a glória de todos só nas sua chuteiras vermelhas.
J. tudo irá começar e passa a bola para A. que arranca em velocidade inteceptado por um dos asas negras.
A primeira falta do jogo, J. manda John bater, o outro meio-campo de faces plácidas e o protegido maior de J., John será guardado em proteção pelo resto dos seus jogos.
E esse jogo assim que parece tão importante segue em vias de fato, poças e uniformes despretensiosos. Um faz falta aqui e outro faz falta ali. Sem goleada, sem decisão. Tudo será decidido tempos depois, quando tudo puder ser transmitido e narrado.
O que todos já tinham percebido, nas arquibancadas improvisadas, com mãe aflitas e santificadas, era que J. esteve sempre certo. Que todos são só crianças assustadas. E que assim devem ser respeitados. Jogadores, torcida e juízes. Nas suas vestes emblemáticas.
Quando J2 entrou e cometeu o penalty fatal J. já estava preparado e quando P. perdeu três gols cara a cara baixando o rosto para J. ele também já estava preparado. Tudo em pró da competição maior por vir, pois sempre soube de antemão que tudo são só partidas a serem jogadas. E que se todos o seguissem, a vida também poderá ser jogada.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

campeonato mundial de esquis

Com os esquis na neve rodopia azul o céu atrás.
Os mortais exageram em sussurros encapotados, enquanto o sol reflete no metal cegando qualquer susto.
No seu salto aparecerá o vento -
E seu amor cairá em pé de alta velocidade, atropelando a multidão.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

duas peças de Lego

Lu tira os patins e estende as pernas ao longo do sofá. Uma mesa lá atrás e o creme gosmento cobrindo uma bagunça sem igual. Aquele laranja escorrendo fino e pingando no chão enquanto dois olhares mudos observam pecinhas que se encaixam com substância. O chantilly velho encralacou nos talheres naquilo que já foi pelas manhãs. Lu olha para o irmão e estende as mãos com unhas pintadas de todas as cores :
- É só esfregar um pano.
- ...
- Ouviu ? Ninguém nota.
- mas a jarra quebrou.
- Tá vendo isso no tapete ?
- Hm ?
- Essas pecinhas...
- hm.
- Tudo é encaixaval.
- mas a jarra tá espatifada.
- Nós consertamos.
- Não acho que seja possível.
Leo vai até a mesa e lambe um garfo até ficar bem limpinho.
- E essa bagunça toda ?
- Depois a gente limpa.
- Como ?
- Ah, daqui a pouco.
- ...
Lu calça os patins e olha com aquele olhar que ele bem não entende. Ele olha também. Agora ela desliza pela casa enchendo a mochila com talheres, a toalha e caquinhos. Ele talvez ache que aquilo não é tão certo, mas que soluciona o seu desajeitado modo de sujar. Ele não controla e aí sai brincando com coisas que não consegue consertar. E na hora parecia tão divertido...
Talvez ele faça porque ela está aí. E ela sempre sabe o que fazer depois.
- Leo, jogue isso lá fora no lixão!
Ele obedece e quando volta ela passa um pano no chão com os pés de rodinhas.
Agora ele sente algo tal como se seu exército em miniatura estivesse todo a postos na sua frente. Um exército que não vai deixar ninguém gritar com ele.
E Lu está no comando.

sábado, 24 de abril de 2010

Predador

Quando não se tem mais o que fazer e o amor chegou feito um bárbaro :
evidenciar com frutas vermelhas e sangue a faca que rasga a carne.
Atraido à gaiola com champanhe e dor o seu animal instintinvo e atordoado, você
terá coroado com dentadas incisivas os requintes da própria bestialidade.
E se o seu sentimento for traduzido como calúnia, cale-se e ame nos becos, abortando seu choro grotesco nos nervos inchados.

O coração vai explodir e lançará engano, alterando a sensação de desdém da porta cadeada.
Pois assim trabalham os incautos - cortando a sí próprios com cacos de garrafas esvaziadas.
E na boca um batom de framboesas estragadas.

terça-feira, 20 de abril de 2010

" Já não se sonha mais com a flor azul "

Veja bem, eu andei uns cinco quilometros para comprar as ditas "flores azuis e pequenas como brincos" que você tanto disse que queria. Andei com rumo e ansiedade, calcado no momento de ver sua alegria. Andei como só andam os andarilhos atrás de um lugar que não existe. Não estou cobrando nada, pois aqueles infinitos quilometros me bastaram preenchendo minhas lacunas de melancolia. A euforia de um suposto amor. A euforia de um coração disparado de maratonista sem medalha. Trouxa. Quem em sã consciência corre sabendo que vai perder ? Só os apaixonados. Só os esperançosos. Os bobões. Voltando com flores azuis pequenas como brincos nas mãos cuidadosas, protegendo toda aquela fragilidade de um sol escaldante que queima sua têmpora suada, protegendo o improtegível. O amor renegado e azul, pequeno como brincos. Veja bem, não estou cobrando nada, mas pelo andar do relógio você não vem mais. Pelo meu ritmo cardíaco você não vem mais. Eu deveria jogá-las pela janela - seria o mais correto- mas há uma beleza infinita pairando sob meus pés com calos.

SAC - Amor

Caro cliente,

Esse item não faz parte do sortimento de 2010.
Por se tratar de um item antigo não temos disponível para venda.
Podemos enviar o catalogo de sentimentos que serão distribuídos ao longo desse ano, para isso precisamos do endereço completo para o envio.

Agradecemos a preferência.

sábado, 17 de abril de 2010

Dhaka Lovers

Em uma cidade sem céu, um vasto clamor espalha no chão. Seus cacos de diamantes, que você mantém por aparência, respingam um creme brilhante de insegurança. Em uma cidade sem estrelas, um vasto reino afunda seus versos em doenças incuráveis, em mares de luzes foscas que não darão conta de seus olhos enegrecidos. Seu maiores medos, mergulhados por preguiça, cospem orações que berram aos nossos habitantes - que já não se enganam mais. Em uma cidade sem ouvidos, moucos de amor...

segunda-feira, 29 de março de 2010

Colherada

- E gosto do que você está na boca ?
- Um doce.
Os desenhos se mexiam dentro da tigela de leite. Ele olhava bem firme o branco colorido. Achei que ele estava viajando, mas é só o Seth.
Depois ele levanta a colher escorrendo traços ou só leite mesmo e gira na minha direção,
- Põe a língua para fora e olha na colher!
- Hm ?
- Põe a língua para fora e olha no reflexo da colher.
Obedeci tonta e ele explicou :
- Eram desses desenhos que eu estava falando...
- Eu sou um desenho, por acaso, Seth ?
- E dos melhores.

E agora a colher reflete meu sorriso côncavo.

domingo, 28 de março de 2010

quando eu chegar em casa.

A minha louça estará lavada, querida. E não me retorne uma só palavra de carinho, não faça essa cara de mulherzinha. Quando eu chegar em casa, pindure o meu casaco e me traga somente você. Te darei assim, máquinas que lavam xícaras de café e cabides de amor.
Pois tudo que um homem pode oferecer a você, Luiza, são laços frágeis de medo.
Eu estou só disfarçando todos eles nessas ordens bobinhas que você vai esquecer no meu hálito de cigarro. Tão sincero.

domingo, 21 de março de 2010

13.

Eu bem que tentei me superar. Tomar o leite com bolachas enquanto via a sua liberdade passando bem na minha frente...
Não deixe uma criança sozinha!
A camiseta branca está toda suja, mas ninguém vê o branco sobre o branco. E nisso eu me safo.
Porém, olhe ali, ainda há migalhas pelo chão! Tenho que continuar superando e limpar eu mesma o que sobrou, antes que ela volte.

sábado, 13 de março de 2010

La belle de jour

para a esquiadora



note meu coração entre os seus dedos

(eu ficaria todas as tardes só olhando e você escrevendo...)

saiba sempre dos meus pés gelados e meus medos

mas o que torna tudo novo e derradeiro

( pois a felicidade do gosto de um brigadeiro)

lembra o meu olhar brilhante, de quando você veio

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

2021 e o diabo chegando com seu reino.

Construo placas feitas das tábuas da prateleira, prendo tudo com fitas firmes que encontrei no fundo do guarda-roupa. Não estou mais preocupado com a comida. Foda-se. Penso em água só, que ainda corre em apenas uma das torneiras, estou preocupado no caso de acabar, mas penso nisso alguns segundos e logo esqueço. A energia elétrica titubeia, porém o ventilador está ligado há dias, estável e forte, ando com ele de tomada em tomada, onde eu estou, ele está. Sei que isso uma hora também vai parar, mas penso nisso alguns segundos e logo esqueço. Sei que mais um dia as quatro janelas pequenas do meu apartamento minúsculo ficarão hermeticamente negras. Coloquei uns encaixes perto delas para fixar as placas nas janelas. Tudo a noite: as soluções, as preocupações. O dia vai amanhecer e assim vou me protegendo dos tais raios. Tirei as lâmpadas, desliguei os eletrodomésticos, do chuveiro não sai mais água... Pingo um suor fétido e quente constantemente, me enxugando com uma toalha já muito suja. Olho por uma das janelas e está praticamente tudo escuro lá fora, com um certo estranhamento a nova escuridão na qual todos os contornos se vê. A noite não alivia. O dia é uma incógnita. Sinto tudo piorando. Ninguém mais sai de casa. Fico muito cansado depois de terminar a última das quatro placas e sento na frente do ventilador com a cara praticamente encostada nele, o ar circulando que esvoaça meus cabelos raros parece um sopro de vulcão, fico ali parado e sinto um prazer que eu tinha esquecido. E logo passa. Já enchi todos os vasilhames da casa com água, mas no outro dia tenho a impressão de estarem com menos da metade. Será ? Sinto falta de vozes, o mundo parece surdo-mudo. Sinto um certo desespero. Hoje, durante a tarde, já estava parecendo que não iria agüentar. Tenho medo do outro dia e tenho vontade de virar um daqueles copos de água na cabeça, mas me contenho. Olho durante muito tempo para a geladeira desligada e apago dormindo sentado, com a cabeça caída sobre o peito. Desperto algum tempo depois com um calor infernal, infernal, infernal. Levanto com um ímpeto enérgico e coloco em trinta segundos as quatro placas nas janelas. O dia começava a clarear. Sinto medo, muito medo. Tinham avisado antes, mas era inacreditável. A Terra aquecia em progressão geométrica. Em trinta dias tudo iria torrar feito amendoim. Inacreditável. Amanheceu e eu não via nada lá fora, as placas não deixavam os raios entrar, mas derretiam as fitas. Eu derretia e quase já não enxergava. Iria desmaiar. Encostei tudo nas janelas, os guarda-roupas, as mesas, dei meu jeito. Não agüentava mais, estava desmaiando. Morrendo ? Lá pelas dez da manhã entrei em colapso, virei toda a água que guardei em mim. O fundo dos potes. Em dez segundos estava tudo seco. Estão todos morrendo. Vou até a torneira de onde saia água e nada. Estão todos morrendo. Vou morrer, não tenho idéia de quantos graus faz, mas é o diabo chegando com seu reino. Sinto um cheiro de carvão. Pode ser ? A madeira, os plásticos. A energia elétrica parou de vez tem um tempo, tinha esquecido... Sol a pino. Gigante. Estou esquecendo. Vejo uma claridade absurda por baixo da porta. E fecho o olho.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Passagens

Minha cara, você está tentando " ancorar um navio no espaço". E, naquele átimo que ele parou e você contemplou, era a ruína chegando junto ao momento da visão perfeita.
Era a nau que você estava esperando, desde que nasceu.
mas, minha cara, você não tinha chance...
... o navio seguiu, porque navios não são feitos para ficarem no espaço e muito menos ancorados.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Biografia

Engasgo com um suspiro e uma turba de pérolas desce uma escada coberta de veludo vermelho. As meninas esperam lá em cima e acenam freneticamente como se não importasse o açucar em volta da minha boca. Sinto um olhar mais direto e desconfio de um desejo calado para sempre. Já estou lá em cima e sou agarrada pela cintura por quatro mãos, enquanto uma outra passa os dedos nos meus lábios. Meus olhos sempre tão tímidos encolhem minhas mãos e meu corpo não reage a nada, apenas sigo o fluxo. Em um dos quartos algo nos espera e eu torço por algo que meu silêncio não perturbe. Nem a mim, nem a ninguém. Meu coração de vidro congela e uma artéria jorra rubis ensandecidos. A porta abre e meninas entram arrancando os saltos. Vou para o canto onde minhas trevas e meus sapatos não conspiram contra nada. Uma delas vai insistir na minha mudança abrupta, para dois meses depois se queixar de não ter conseguido uma só insensatez da minha parte. Embora a minha sensatez seja o insensato descendo as escadas nos olhares debochados. Elas conspiram e telefonam exigindo algo novo todo dia. Como se fosse possível arrancar sardas e cabelos ruivos de uma criança assustada.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

amanhã

tenho vontade de segurar seu pescoço até você sufocar

até as minhas digitais ofuscarem as suas pintas
até você sentir a intenção exata dos meus dedos
até você entender o quanto admiro e quero arrancar seu cérebro por pura inveja
até o mundo girar a sua volta
até Ele voltar a falar comigo
até meu medo desaparecer
até o seu medo passar
até a minha mão afrouxar porque no fundo te matar em mim é uma besteira

até você me olhar de verdade pela primeira vez na sua vida

domingo, 24 de janeiro de 2010

você escrevendo nos livros





lembro das suas dedicatórias tatuadas nas páginas brancas, que antes pareciam desfalecidas...
... são brasas de ferro e fogo queimando meus dedos envelhecidos.
o que você escreve não se diz e só Deus, na sua infinita bondade, entende mesmo assim a saudade que eu sinto.

( e quando eu penso ter chegado na última palavra, você volta e reescreve tudo )

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A casa.

Tudo finda. Um coração jogado no lixo, apodrecendo entre espinhas de peixe e camisas ensanguentadas. Um lar bem decorado e o cachorro envelhecendo cego. Tudo finda. O cheiro do incenso misturado ao cheiro do sexo perturbado. Tudo finda. O livro esquecido, o leite derramado. Tudo finda, minha cara.
Até o grande final, em um campo de margaridas incineradas, explodindo em ilusões fétidas.