segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O canto do canarinho.







A janela do meu quarto é baixa e, mesmo que fosse alta, ele não liga. Salta com a gordura balançando e a destreza dos sábios. Júlio tem ares olímpicos. A janela fica aberta, mesmo com esse frio, só para ele entrar. Todo dia ele me traz um passarinho morto. Morto. Eu não consigo explicar a minha dor, a dor das coisas mortas, das penas se soltando, do peito azul. Outro dia um bem pequeno ainda teve tempo de se debater sobre o edredom da cor do céu, no meu peito. Ele ainda olhou para mim, com esse olhar que só os gatos têm. Estava me olhando e tentando me explicar cada presente. "Um dia ainda te trago um canarinho cantando pela última vez e você vai entender o tamanho do meu amor ".















terça-feira, 13 de novembro de 2012

Popball










jogando popball
garotos inteiros sem camisa
com o sol
intimidando
outros lindos que jogam futebol


no rádio uma bola de ping-pong
cai
it's amazing Britney's song

enquanto isso na sacada
as meninas rãs
rasgam sutiãs
tão queimadas













sexta-feira, 9 de novembro de 2012

100 m da linha do equador









Quente, quente, quente. Daqui, olhando para o alto, o teto tem uma fenda de onde o sol entra e risca a linha do equador bem no meio da piscina. Abaixo os erros estão todos embaralhados. "Uma menina de treze anos não pode ter esse olhar tão incessante sobre curvas e estrelas". Os peitos nus dos atletas incansáveis, medalhas douradas, um mar de suor e o desejo te derrota. Braçadas, braçadas, braçadas. Meu nariz está encostado no vidro embaçado. Sabe, seu olhar frio deixa esse calor mais ameno...
















sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Os lados da rua









vejam quantos passos até lá  :

os cantos de uma casa
onde ninguém fica
e a poeira se acumula

em novos casais estrangulados

chegando com malas e medos
arrumando gavetas
arrastando móveis pesados

e depois saem
atados

como nós

um laço para cada lado










quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Esmalte










Tão dramático pintar as unhas de preto para um adeus bobo e melancólico. Deveria ter maquinado algo menos estúpido e esquecer isso, deixar para lá, como um poema ruim lido pela metade. Tenho a cabeça abaixada e as mãos trêmulas, vejo o seu vulto passar pela janela, a mochila esvoaçando sua pressa como uma única asa que sobrou da luta. Vermelha. Leve daqui seus cremes, suas canetas e estiletes. Desisto de unhas pintadas e arranho o peito, deixando marcas.

















sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A Pele









um velho se esquiva cambaleando entre esculturas de areia

recolhe garrafas de whisky que escondem bilhetes desesperados

sua barba branca se espalha na praia

onde os náufragos exibem a pele queimada

a vida amaldiçoada

espelhando o cansaço no mar
















quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A neve que cai dos seus olhos









Um coração endurecido de frutas secas, a fumaça, os damascos, o aroma da neve que cai dos seus olhos, indo embora. As meninas estão insistindo nesses sapatos vermelhos, jeans , acessórios, camiseta ...
... um tropeção afasta meu olhar e corro o risco das suas pegadas de sangue, suor e lástimas para um último cigarro. Tipicamente femininas. 
Saio de cena com uma dor de cabeça que atravessa as ruas, palavras nas costas e um desdém que corta os meus pulsos.















sexta-feira, 27 de julho de 2012

A noite













enrolo nos dedos seus dedos de monstro invisível
um corpo plastificado
superstar marcada de dentada insensível
em hálitos de halls vinho combustível
passos que se arrastam bestificados
um dente cai no chão
um soco
um tornado











segunda-feira, 2 de julho de 2012

as frestas que dão para o céu.









nenhuma certeza que alguma brisa sopre a seu favor

lê seu conto aquartelado deitado no chão
vivendo a ferro e soro
sem pão e sem mel
vislumbra por vãos o fogo

do lugar que chamam de céu












terça-feira, 15 de maio de 2012

Grand Canyon


olhando de canto o parapeito de um desfiladeiro
o bicho inquieto me lembra você
moças furtivas veludos jeans um brilho arteiro
o olho indiscreto me lembra você
vitrines doces noivas armas um silêncio certeiro
o zumbido do afeto me lembra você
o lixo da esquina o cheiro um bueiro
o som de um inseto me lembra você

frases no azulejo imundo de um banheiro
e meu peito infecto me lembra você

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Duelo



sob o instant karma cor de abacate
um amor que em revólver
é bala que se enrosca na garganta
em xeque-mate

sob algum signo inconstante que te envolve
é o meu lado mau sedenta a vontade
em mim
em você
mate

sábado, 24 de março de 2012

o sangue na soleira da porta









No meu quintal tem uma amoreira carregada...
... mas o vento uivou a noite inteira e eu tenho medo que cada uma tenha caído e espatifado na grama queimada pelo sol escaldante - a última tarde em que você esteve aqui.
De manhã abri a janela e ela esmagava com os pés adocicados cada uma delas no chão.
Só esse tipo de vadia anda assim descalça, pegando fogo.







quarta-feira, 21 de março de 2012

School Hearts Sucks










A fileira da sala de aula três de um lado três de outro, parece um dado. O lance é o seguinte, eu olho para o Hideki e tenho vontade de comer arroz. Ele tira do bolso um dez bem grande que acaba com a minha auto-estima, ainda mais de meia calça rasgada. Ainda mais de cabelos dourados e mal arrumados. Joana está bem atrás de mim e me passa um bilhete de três folhas, ela tá falando da preguiça do Lins, da preguiça dele estudar, da preguiça de namorar, da falta de telefonemas, dos olhos abaixados só para ela, de depilação, de compras e... me distraio, não acompanho as palavras. Na ponta esquerda do dado - Felipe. E...meu coração dispara. Ele tem essa mania de dar uma piscadinha para todas as garotas do mundo. Angelina, Scarlett, Keira, Zooey. Todas elas ganhariam piscadelas se sentassem no dado. Como se os olhos de Felipe não fosse suficientemente azuis para acabar com o meu dia. Para acabar com o dia delas. Para me colocar no fundo do poço do meu coração arrebentado. Para me colocar no fundo do poço de todos os corações arrebentados de todas as garotas do mundo.
Nunca que vou conseguir resolver essa questão de matemática.











segunda-feira, 19 de março de 2012

quinta-feira, 15 de março de 2012

balas



em um vidro de conservas, meninos escaldados
um tiro leve no meu peito
Scarlett e mil soldados

o meu olhar sem respeito
meu amor em estilhaço
um tiro em cheio no seu peito
meu amor de vidro e aço





terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

o Velho Oeste (a câmera de John Ford)





eu sempre quis viver no velho oeste
onde os deuses são sujos e malfadados

aqui no velho oeste
eu
tiro
balas
esperando o velho Ford engatilhar

em esquina e botas
um cowboy
empoeirado









terça-feira, 24 de janeiro de 2012

o café com bolacha ( para Martin )



As mãos enfiadas nos bolsos as catas de doces que...
... "derreteram"
" Que merda!"
A mão melada multicolorida manchando a toalha colocada com tanta delicadeza.
"Minha vó é a única pessoa do mundo que não quer me matar"
A xícara com pires e pote de geleia envolto em crochê. Via as mãos dela desfilhar a linha para lá e para cá, era menino. Hoje sou o homem de treze anos, roubo na bolsa da mãe, enrolo fumo e venho tomar o café da tarde na casa da única pessoa no mundo que não quer me matar. Tenho fome.

domingo, 15 de janeiro de 2012

fruitful


a mocinha andava na areia em um dia de veraneio
tinha a graça de carregar uma mochila com recheio:
um mocinho com a barba cheirando alfazema
e ursinho de jujuba em embalagem de cinema

as frutas vermelhas são para os seus dentes de alho
para a reviravolta, para o susto, para o atalho.
para um beijo no clímax de um filme de ação
eu tenho nos lábios brilho, raio e trovão









sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

do vício dos chicletes








Vinha com aquelas figurinhas de tatuagem.
E era a mulher-maravilha.
" Basta lamber e aplicar sobre a pele por alguns segundos"













segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

pense que barato, pense que tristeza









Pense que barato vender assim meus sentimentos à filosofia de uma mosca verdejando vermes sobre carniças de um coração recém batido.
Pense que tristeza minha carne úmida cicatrizando seu amor nos vãos, como um arrimo em sangue e choro.
Desperdice assim o gozo de uma noite na qual eu te jogo na eternidade dos amores que duram uma eternidade.
Pense que barato, pense que tristeza.












segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

vs. Paintball






Divertido as luzes amarelas de alguns cinemas antigos que insistem charme, alguns rapazes são teimosos também acudidos pela perdoável beleza. Com uma pistola de tinta, armada, teimosa sou mais eu, afogada no gesto que puxa o gatilho. Sua falta de doçura, seus atos hiper pensados. Essas cores enjoativas acertam bem no coração. E esses meninos que passam esvoaçando na tela.