Descemos a viela indo até o descampado onde os fazendeiros jogavam os restos dos bois. Sabíamos cada decomposição, cada cheiro, cada resto de osso lambido até o tutano pelos cachorros vadios que zanzavam por lá. Um deles, com tufos de pêlo lutando heróicos contra a sarna, chamávamos de Cão.
Ele abanou o rabo entre as tábuas quando nos viu cruzando a cerca.
" Tá gordo e roliço como um porco esse Cão!"
" mas é feio, hein ?"
Luis esticou o braço e apontou na diagonal :
" Olha lá, Cris, uma cabeça nova!"
Corremos lá para ver o tamanho do estrago. Uma cabeça sem chifres e olhos esbugalhados era a novidade, coberta de moscas ensandecidas.
"O bicho não teve nem chance."
" Não mesmo."
Peguei uma vareta e cutuquei a cabeça bem no nariz e milhões de larvas enlouqueceram saltando para fora.
" Está recheada!"
" Parece salgadinho..."
Ficamos ali olhando aquele negócio se mexer sem vida por alguns minutos, cutucando e rindo do jeito dela.
" Que horas são, Luis ?"
Ele olhou o relógio e contou os números porque não conseguia saber as horas assim de supetão e isso me fazia sorrir.
" Acho que é quase seis."
" Então temos que ir."
Passamos a cerca, não sem antes fazer festinha com Cão que abanava o rabo de tufos, porque Cão bem sabia que a gente voltava.
E voltávamos mesmo, com a mesma desculpa de ver ossos cheios de larvas, escondendo a vontade verdadeira de só querer estar junto, seja lá para o que for.
Um comentário:
amor e carniça. mandou bem, dodi ;)
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