quinta-feira, 23 de maio de 2019

Peregrinação

Havia três dias que Moze estava sem dinheiro. A vontade de cigarro tinha partido seu pulmão em mil pedaços e o orgulho, de terno e gravata, não deixava ele chegar perto dos colegas para pedir um. Nunca fora bem quisto. Uma tosse insistente afastou um cachorro vadio que farejava do lado. Moze andou durante o intervalo do almoço todo, procurando uma nota de cinquenta no chão como quem procura um Deus que ele nunca acreditou. Obviamente o destino não seria tão ameno, assim como Deus não é. Foi quando ele ouviu a explosão, olhou para o leste e viu a linha dourada que subia até o céu. Estava longe, afrouxou a gravata e seguiu naquela direção. Tinha dez minutos até bater o ponto. Correu. A linha dourada desaparecia à sua vista aos poucos. Chegando perto do posto de gasolina incendiado, um mendigo velho e doente o agarrou pelo colarinho. E, nas suas palavras, disse :
- O maldito do anjo tinha uma espada de fogo e luz, mandou tudo pelos ares.
Moze empurrou o homem com violência e seguiu para perto do feixe de luz, agora só um brilho. O calor do posto ardendo batia no seu rosto. Ele abaixou a cabeça nesse gesto que fazemos para enxugar o suor. 
Uma carteira de cigarro jazia lacrada a seus pés.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

a dobra do vento



um rapaz moreno e baixo, de cabeleira grande como um cinamomo curvado, recolhe as folhas caídas na vitrine estufada da padaria da esquina. Os pães, à vista, emitem um fumaça turva e aconchegante. o cheiro é o mesmo de sempre, lépido, deixando um rastro que se parece com crianças correndo.
as coisas passam e não voltam jamais, esquecidas como o vento que dobrou a rua.
na nossa passagem tinha uma esquina, mas eu sequer um dia vi, mergulhada que estava
em meus sentimentos.