sexta-feira, 10 de junho de 2011

Almoço, 13:00. Bem depois do pólo norte derreter.



Não consigo me acostumar com esses ovos em cápsulas, rosqueados com tampas que parecem com tampas de garrafas antigas. Temperados e coloridos de acordo com cada sabor, queijo, chilli, pizza, páprica, galinha caipira. "Galinha?". Ficam milimetricamente redondos como se o sol tivesse caído bem no meio do mar congelado onde dizem, ficava o pólo norte. "Onde os ursos brancos nadavam atrás de sua comida". Há um mês o noticiário mostra os hindus chorando seu Deus morto, desesperados, com a mão no rosto pelas ruas sujas de Mumbai, depois que todo o rebanho do planeta foi dizimado por mais uma peste qualquer. Correria e superprodução de carneiros, porcos e aves para saciar a vontade carnívora do planeta. " Que serão dizimados por outra peste qualquer". Um mês atrás ela saiu para visitar os bebês, não voltou e eu não entendi nada. Toca o telefone e dizem " Só podemos nos responsabilizar por bebês sem amparo até os seis meses de produção, mas no caso do senhor..." Desligo. Os rumores do que eles fazem com os bebês não são bons. Não me importo. Frio como o pólo norte há cinquenta anos atrás. "Onde um urso branco rasga a pele de um bebê leão marinho sem dó, é seu alimento". Dentro do prato preto aquele ovo parece um buraco no mundo. Esfriou, enquanto eu observava crianças indianas sendo consoladas por autoridades. Três meninas e um menino. Não ligo de volta. A luz que indica visitante entrando no edifício acende na minha cara. " Bem na hora do almoço". Desligo a tv, porque não aguento tanto escândalo por causa de um Deus morto. Batem na porta. Estou desanimado. Peço a identificação ocular. É ela.
- Ligaram do centro genético.
- Não tenho ido até lá...
- Você saiu para ir até lá...
- Mas não fui. Por que você...?
- Não quero mais.
- E o que eles vão fazer ?
- Você também não se importa.
Desânimo. Visita à toa. Desisto do ovo. " Nada mais poderá estragar minha vida". Recebo o boletim do dia durante o banho. " Por que diabos assinei essa porcaria ?".
" Não é recomendado andar sem proteção hoje na cidade, índice de poluição acima do recomendado..."
"Merda!"
" E na Índia...". Apago. " Porra, malditos indianos, que saco." Agora só me resta sair de casa, mas tenho que vestir essas roupas ridículas e essa máscara sufocante. Desisto. Sento na frente da tv e um canal de inutilidades mostra urso polares adormecidos há cinquenta anos. Adormeço.

3 comentários:

  1. uma maravilha de se ler, o seu texto, parabéns por essa retratação do cotidiano tão bonita na escolha das palavras e no fluxo doas acontecimentos.

    ResponderExcluir
  2. Os caramelos estão podres.

    Belo texto.

    ResponderExcluir